Goiás participa de pesquisa internacional pela sustentabilidade do planeta

Espera-se aumentar as terras disponíveis para a agricultura, ao mesmo tempo que produzirá biocombustíveis que não alterem indiretamente no uso da terra (Foto: Divulgação)

Ao se falar em meio ambiente, dois temas são trazidos à tona: mudanças climáticas e aquecimento global. A gravidade destes fenômenos exige providências imediatas ao redor do mundo para encontrar um equilíbrio entre a sustentabilidade e a questão ambiental. Os biocombustíveis são uma das poucas opções de descarbonização para o transporte no curto e médio prazo, mas frequentemente são criticados por provocarem mudanças no uso da terra: a substituição do uso de terras agrícolas de alta qualidade que produzem alimentos para atender ao crescente aumento da população mundial, pelo cultivo de plantas energéticas para produção dos biocombustíveis. Por outro lado, significativas extensões de áreas contaminadas, principalmente por metais pesados, permanecem sem uso em todo o planeta, seja em decorrência da produção agroindustrial, uso de agrotóxicos, aterros, locais de mineração, locais industriais abandonados, entre outros.

Consórcio Horizonte 2020

Em um esforço conjunto, universidades, indústrias, organizações não governamentais, institutos de pesquisas e empresas de várias partes do mundo se uniram e constituíram um consórcio internacional para a execução de um projeto de pesquisa. O projeto, viabilizado por meio do Programa Horizonte 2020 – da União Europeia, tem como objetivo promover o uso de novas plantas com potencial bioenergético para a fitorremediação (descontaminação) de áreas degradadas por metais tóxicos. A técnica da fitorremediação consiste no uso de plantas e suas interações para ajudar a extrair contaminantes de solos, águas e até mesmo do ar.

O projeto proposto é inovador e capaz de oferecer soluções sustentáveis integradas para vários problemas. O que o consórcio busca é identificar culturas/plantas que sejam ao mesmo tempo capazes de descontaminar o solo (principalmente os contaminados por metais pesados) e que a biomassa produzida possa se transformar em um biocombustível limpo viável para comercialização. Espera-se aumentar as terras disponíveis para a agricultura, ao mesmo tempo que produzirá biocombustíveis que não alterem indiretamente no uso da terra.

Apoio da Fapeg
O estado de Goiás faz parte desta parceria que envolve países como a Grécia, Itália, Escócia, Luxemburgo, Alemanha, Ucrânia e Canadá. Goiás representa o Brasil nesta rede, e sua participação foi possível por meio da adesão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), via Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), ao Horizonte 2020, o maior programa de pesquisa e inovação da União Europeia.

O H2020 tem como estratégia apoiar pesquisas de ponta capazes de promover o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. O projeto regional será parte importante do projeto maior, uma vez que envolve um clima tropical (diferentemente da maioria das outras áreas focais) e com uma espécie diferente utilizada para a produção de biocombustível (cana-de-açúcar). A importância da equipe goiana no projeto é para representar aspectos do sul global para consolidação dos resultados da pesquisa.

Pesquisador Maico Roris
Foto: Arquivo

A Fapeg lançou o edital Horizonte 2020-LC-SC3-2018-2019-2020 – Building a low-carbon, climate resilient future: secure, clean and efficient energy que teve apenas uma proposta selecionada, a do pesquisador Maico Roris Severino, da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Federal de Goiás (UFG), no projeto global ContaminatEd land Remediation through Energy crops for Soil improvement to liquid biofuel Strategies (CERESiS) – Estratégias de remediação de terras contaminadas por meio de culturas energéticas para melhoria do solo para produção de biocombustível líquido, que será desenvolvido em rede, nos próximos 42 meses. O pesquisador receberá da Fapeg um fomento no valor de R$ 218.480,00 para aquisição de material permanente nacional, análises laboratoriais, passagens aéreas, diárias no Brasil e exterior e bolsa de doutorado para uma aluna do curso de Agronomia.

Para Maico Severino “editais desta natureza são de extrema importância para a ciência, a academia e comunidade goiana, pois ao mesmo tempo em que permite o desenvolvimento de conhecimento de ponta em parceria com pesquisadores internacionais, também permite a qualificação dos recursos humanos brasileiros por poderem desenvolver atividades com tais grupos de pesquisa. Além, também, de contribuir com a internacionalização das instituições e das pesquisas goianas”.

Pilares da pesquisa
Os pesquisadores vão trabalhar em três pilares. O pilar de fitorremediação identificará uma gama de safras energéticas promissoras, com foco nos principais contaminantes em todo o mundo. Eles vão avaliar a adequação e eficácia de várias espécies convencionais e novas culturas energéticas para fins de fitorremediação em terras contaminadas por uma variedade de poluentes. Eles serão testados no Norte, Sul, Leste Europeu e Brasil, com amostras caracterizadas e convertidas em biocombustíveis.

O pilar tecnológico irá otimizar duas tecnologias limpas de conversão de biocombustíveis, Gaseificação Supercrítica de Água e Pirólise Rápida, integradas com novas tecnologias de separação de contaminantes, com foco na eliminação, estabilização ou recuperação de contaminantes de uma forma fácil de gerenciar.

O pilar de Apoio à Decisão desenvolverá um Sistema de Apoio à Decisão de acesso aberto, modular e expansível, capaz de identificar as soluções ideais para cada aplicação. Este sistema irá incorporar parâmetros de terra, fitorremediação, tecnológicos, econômicos, ambientais, fornecendo informações críticas para as partes interessadas e formuladores de políticas sobre a adequação de combinações de estratégias de fitorremediação e tecnologias de conversão para locais específicos, contaminantes, restrições ambientais etc. Incluirá uma análise técnico-econômica de caminhos, avaliação do ciclo de vida (LCA) e custo do ciclo de vida (LCC), otimização da cadeia de suprimentos e avaliação de desempenho em relação às metas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

“Estamos desenvolvendo uma plataforma digital que leve em consideração os solos contaminados em todo mundo, a regulamentação sobre solos contaminados e produção de biocombustíveis, para que se torne um sistema de apoio à tomada de decisão para desenvolvimento de políticas públicas de descontaminação de solo e produção de biocombustível. O desenvolvimento da plataforma digital vai permitir que países que tiverem problemas com solos contaminados possam ter uma base de consulta para solução do problema, visto que estas informações atualmente não são popularizadas,” explica o pesquisador.

Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU
Para Maico Severino, o projeto de pesquisa tem muito da característica “pensar global e agir local” dentro dos ODSs da Organização das Nações Unidas que estabelecem práticas a serem adotadas pelos países membros para fomentar o desenvolvimento sustentável no mundo. Os impactos regionais e estaduais caminham fortemente para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, pontua o pesquisador. Ele aponta especificamente os objetivos 2- Fome Zero e Agricultura Sustentável, 7- Energia Limpa e Acessível, 11-Cidades e Comunidades Sustentáveis, 13- Ação contra a mudança global do clima, 15- Vida terrestre e, 17- parcerias e meios de implementação.

Etapas

Anicuns

O projeto está organizado em quatro etapas. Inicialmente serão definidos os requisitos para determinar caminhos de solução integrada. Nesta etapa será realizado um mapeamento e classificação de solos contaminados, a identificação dos requisitos para descontaminação e separação, estudo sobre cadeias produtivas de biocombustíveis limpos, análise sobre a política e regulação para a gestão de solos contaminados e biocombustíveis e a definição de indicadores de sustentabilidade. (Todos os países estarão envolvidos nesta etapa).
Na segunda etapa, Brasil, Itália, Reino Unido e Ucrânia farão as caracterizações do solo contaminado no campo experimental, a produção de safras energéticas em escala piloto, a otimização dos métodos de cultivo e colheita de culturas energéticas, a caracterização experimental da biomassa produzida, desenvolvimento de estratégias de fitorremediação.

Na terceira fase, de produção limpa de biocombustíveis e separação de contaminantes estarão envolvidos os participantes da Grécia, Alemanha, Itália e Canadá, quando serão definidos os requisitos de processo na conversão de biocombustíveis e nas tecnologias de separação, a produção de biocombustíveis limpos em laboratório e a otimização dos processos desenvolvidos.

A quarta etapa, de avaliação de sustentabilidade e apoio à decisão contará com participantes da Grécia, Ucrânia e Luxemburgo. Nesta fase será desenvolvido o Sistema de Apoio à Decisão CERESiS com indicadores-chave de desempenho personalizados que refletem a contribuição do projeto para atender os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para validação do mesmo serão utilizados os casos analisados nas etapas anteriores.

Maico Severino explica que, para a consolidação das etapas serão realizadas reuniões virtuais semanais de cada grupo de trabalho e mensais de toda equipe. Também estão previstas reuniões presenciais anuais de toda equipe para troca de saberes e qualificação de toda equipe, quando o controle da pandemia permitir. Estão previstos também intercâmbio entre os membros de todas as instituições participantes.

Em Goiás
Segundo o plano de trabalho apresentado pelo pesquisador Maico Severino, a mineração e o agronegócio brasileiro apresentam destaque no cenário mundial. A região do Cerrado, polo agrícola do país é predominantemente recoberta por latossolos, solos naturalmente deficientes em fertilidade química, cuja inserção no processo produtivo demandou técnicas de correção que hoje são de domínio público. “No entanto, o negligenciamento em torno das limitações físico-hídricas potenciais e a adoção de tecnologias de mecanização dos tratos culturais em todas as etapas do processo produtivo tem degradado a estrutura do solo, processo praticamente inevitável nestes solos. Estudos dessa natureza tornam-se relevantes por gerar conhecimento em torno da recuperação do solo concomitante à produção agrícola.”

Área contaminada por metais pesados (Anicuns)

Em Goiás, os testes serão feitos em terrenos contaminados nos municípios de Anicuns e Hidrolândia (Cromo) e Santa Fé, Barro Alto e Niquelândia (Níquel). As culturas energéticas a serem aplicadas serão a Cana-energia (Saccharum robustus), Cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.), Capim-capiaçu (Pennisetum purpureum Schum BRS Capiaçu) e Capim-elefante (Pennisetum purpureum Schum), além de plantas espontâneas que serão identificadas na área. Maico Severino explica que são cultivares novas quanto ao efeito de fitorremediação. Ele ressalta que as plantas foram escolhidas devido ao elevado potencial de produção de biomassa (t/ha/ano) e por possuírem o sistema radicular profundo, o que proporciona um elevado potencial de extração de elementos químicos do solo, e pode contribuir para extração do elemento tóxico. Além disto, o uso destas culturas permite a produção de biomassa para a produção de biocombustíveis que no mundo não é tão utilizado como no Brasil”, justifica Maico Severino.

“As técnicas mais utilizadas atualmente para tentar neutralizar o impacto dos contaminantes são por meio do uso de produtos químicos. Assim, o uso de cultivo de possíveis plantas energéticas como mecanismo de descontaminação é entendido como promissor”, ressalta o pesquisador.

As plantas serão cultivadas em campo, no solo contaminado (Anicuns e Hidrolândia) e em canos de PVC com solo contaminado em casa de vegetação. As mudas para transplantio no campo e na casa de vegetação serão produzidas em telado na Escola de Agronomia da UFG.
No Reino Unido os testes serão com Salgueiro (Salix spp.), Miscanto-Gigante (Miscanthus giganteous), Campim-Amarelo (Phalaris arundinacea), Populus (Populus spp.). Na Itália: Avelã (Corylus spp.), Videira (Vitis spp.), Campim-Amarelo (Phalaris arundinacea). Na Ucrânia: Miscanto-Gigante (Miscanthus giganteous) e Campim-Amarelo (Phalaris arundinacea).

Equipe goiana
A equipe goiana é coordenada pelo pesquisador Maico Roris Severino, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e conta com a participação de Wilson Mozela Leandro, professor da Escola de Agronomia (EA) da UFG; Mariane Porto Muniz e Izamara Fonseca Tempesta, ambas estudantes de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Agronomia (PPGA) da UFG; e Rogério Nogueira Porto, estudante de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Administração Pública (PROFIAP) da UFG.

Participantes do Consórcio
A National Technical University of Athens – NTUA (Grécia) é a instituição coordenadora do projeto. Também participam: Ethiniko Kentro Erevnas Kai Technologikis Anaptyxis – CERTH (Grécia); Exergia Energy and Environment Consultants AE – EXE (Grécia); University of Strathclyde – UoS (Escócia- Glasgow); Universita Degli Studi della Tuscia – UoT (Itália); Consiglio Nazionale delle Ricerche – CNR (Itália); Karlsruher Institut Fuer Technologie – KIT (Alemanha); Intrasoft International SA – INTRA (Luxemburgo); Kokkalis Foundation – KF (Grécia); Renewable Energy Agency Civic Organisation – REA (Ucrânia); Universite de Sherbrooke – SHER (Canadá); e Universidade Federal de Goiás – UFG (Brasil).

A pesquisa conta com fomento de € 3.564.700,00 da Comissão Europeia, C$ 125.000,00 do Canada Research Coordinating Committee; e C$ 50.000,00 do Fonds de recherche du Québec – Nature et Technologies (FRONT), além dos R$ 218.480,00 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).

Mais informações no www.ceresis.eu.