Pesquisa avalia o desenvolvimento de crianças de zero a cinco anos
Como saber se o desenvolvimento físico, mental e emocional de uma criança com idade entre zero e cinco anos está acontecendo de maneira adequada? Questões como a pobreza, saúde e nutrição precárias, falta de estímulos e de oportunidades de aprendizagem estão interferindo no potencial desse crescimento? As políticas públicas voltadas ao Desenvolvimento da Primeira Infância (DPI) são satisfatórias e estão sendo aplicadas no estado de Goiás? Temos os registros destas informações?
Nos primeiros anos de vida, os cuidados de saúde e um ambiente saudável desempenham papéis fundamentais na sobrevivência e desenvolvimento da criança e constroem as bases para uma vida adulta saudável, por isso a atenção à primeira infância deve ser especial. É na primeira infância que se formam 90% das conexões cerebrais. “Isso significa que, quanto mais interações positivas a criança tiver com mães e outras pessoas que cuidam dela, mais habilidades emocionais, motoras e sociais e maior conhecimento, autonomia e qualidade de vida ela terá. Assim, ela se tornará um adulto mais desenvolvido nesses aspectos”, frisa a professora Luciane Sucasas.
Primeira infância
Luciane Ribeiro de Rezende Sucasas da Costa é professora de Odontopediatria do curso de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e está coordenando uma pesquisa que propõe uma avaliação prospectiva do desenvolvimento da primeira infância junto à Estratégia Saúde da Família em Goiânia/ SUS. A equipe, composta por pesquisadores das faculdades de Educação, Medicina e Odontologia da UFG vai avaliar o processo de implementação das políticas de atenção integral à saúde da criança. “Queremos ajudar no fortalecimento da atenção primária em saúde do Bairro Estrela D’Alva de Goiânia, por meio do diagnóstico do contexto e, assim, impactar em conhecimento de indicadores e ações que promovam o desenvolvimento infantil”, explica a pesquisadora.
Os pesquisadores também vão analisar o desenvolvimento de crianças de zero a cinco anos que fazem parte do programa Estratégia Saúde da Família na Unidade de Atenção Básica de Saúde da Família (UABSF) do bairro Estrela D’Alva, na região Noroeste de Goiânia. A equipe vai avaliar o desenvolvimento, capacidades e dificuldades da criança, práticas parentais, percepção de cuidadores e da equipe de saúde sobre o desenvolvimento infantil.
E ainda, os trabalhos dos profissionais da UABSF e de gestores diretamente relacionados à unidade, dos cuidadores das crianças e dos membros da ESF que participam das visitas domiciliares no bairro Estrela D’Alva.
Fapeg apoia pesquisa
O projeto de pesquisa foi um dos 20 selecionados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) por meio da Chamada Pública 05/2020 – 7ª edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde. Serão investidos R$ R$ 63.825,17 para a execução dos trabalhos de pesquisa.
Estrela D’Alva
O bairro abriga uma população de 7.086 habitantes (IBGE 2010) e uma única Unidade de Atenção Básica de Saúde da Família com três equipes de profissionais, cada uma com médico, enfermeiro e agente comunitário de saúde (ACS) que assistem cerca de 700 crianças de até seis anos de idade. Os dois Centros Municipais de Educação Infantil do bairro não conseguem atender à demanda e, assim, muitas mães trabalham em casa e cuidam de seus filhos e outras trabalham fora e contam com a ajuda de vizinhos para esse cuidado, conta a pesquisadora.
Metodologia da pesquisa
Especificamente, a equipe vai avaliar a percepção do cuidador sobre o desenvolvimento da criança utilizando a versão brasileira do “Survey of Well-being of Young Children” (SWYC-BR). Vai também avaliar a satisfação da agente de saúde (ACS) com a qualidade da visita domiciliar e a interação cuidador/criança; a frequência dos episódios de conflito com a criança e a frequência e comportamento da criança na creche/escola.
Os pesquisadores vão avaliar ainda a satisfação do cuidador com a visita domiciliar e comportamento da criança; o processo de implementação do Acompanhamento CD (Avaliação de Crescimento e Desenvolvimento) e PNAISC (Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança) junto à UABSF Estrela D’Alva.
Vão avaliar os estilos parentais, classificando-os em comportamentos sociais e comportamentos antissociais, por meio da aplicação do Inventário de Estilos Parentais (IEP); rastrear possíveis transtornos de comportamento em crianças por meio da aplicação do Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ); verificar o desempenho do indivíduo em tarefas que demandam as funções executivas, por meio da aplicação da versão computadorizada do Teste Wisconsin de Classificação de Cartas.
“Em uma primeira fase faremos entrevistas com a equipe de saúde, relacionadas à implementação da Avaliação do Crescimento e Desenvolvimento da Criança (Acompanhamento CD) e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no Bairro Estrela D’Alva. Em seguida, visitaremos os domicílios com crianças de 0 a 5 anos, para avaliar o desenvolvimento das crianças com questionários utilizados mundialmente e entrevistar seus principais cuidadores”, explica a professora.
Segundo Luciane Sucasas, no estado de Goiás há carência de avaliação e aplicação das políticas públicas voltadas ao Desenvolvimento da Primeira Infância – CD e PNAISC, mas ela reconhece que a Estratégia Saúde da Família apresenta características estruturais e humanas potencialmente capazes de promover esse desenvolvimento.
Ela relata que, “não existem informações sobre o DPI de crianças goianienses para além de avaliação do crescimento nos primeiros dois anos de vida, daí a proposta da nossa pesquisa de promover o estudo de caso do processo da implementação do CD e da PNAISC; e coorte prospectiva com 200 famílias de crianças de 0 a 5 anos e respectivas equipes de saúde”.
Saúde da Família
Implementada em 1994, a Estratégia Saúde da Família (ESF) tem alcançado impacto importante para o DPI: redução da mortalidade infantil, melhora da nutrição infantil, aumento da cobertura vacinal, melhora da saúde da mãe durante a gestação e incremento de bons comportamentos em saúde, dentre outros. Porém, a avaliação do desenvolvimento da criança pela ESF é voltada ao período pré-natal até os dois primeiros anos de vida seguindo o Acompanhamento CD (Avaliação de Crescimento e Desenvolvimento). Não há ações sistematizadas para monitoramento/intervenção relacionados ao desenvolvimento da criança maior de dois anos.
“Embasados na relevância do tema e na necessidade de compreendermos o contexto do acompanhamento do Desenvolvimento da Primeira Infância pela Estratégia Saúde da Família em Goiânia, realizamos estudo piloto em abril-maio de 2019”, conta Luciane Sucasas. Ela destaca que, na época, foram entrevistadas seis mães/avós, seis gestores da atenção primária em saúde de Goiânia e oito profissionais da ESF.
As mães relataram dificuldades em promover o desenvolvimento de seus filhos. Verificou-se a falta de repertório materno para lidar com as situações de conflito com a criança. Os gestores/profissionais destacaram as visitas domiciliares para o DPI por ACS para a vigilância do desenvolvimento de crianças até 2 anos (Caderneta de Saúde da Criança). Eles reconheceram que não existe diagnóstico e padronização da abordagem do DPI pela ESF, tampouco estratégias sistematizadas de estimulação do desenvolvimento das crianças. Mencionaram, ainda, experiências de grupos de apoio a gestantes que têm efetividades variadas conforme os bairros e os estímulos percebidos pelas mães (profissionais motivados e fornecimento de enxoval de bebê). “Assim, o insight que fundamentou a ideação desta proposta foi: cuidadores e a atenção primária/SUS necessitam ser fortalecidos para promover o DPI”, relata a professora.
Resultados
Sucasas espera que os resultados dos trabalhos de sua equipe ajudem no fortalecimento da atenção primária em saúde do bairro, e por conseguinte, de todo o Estado de Goiás, por meio do diagnóstico do contexto e, assim, possam impactar em conhecimento de indicadores e ações que promovam o desenvolvimento infantil. “Esperamos que os dados produzidos sejam os indicadores que fundamentarão ações de qualificação a Estratégia Saúde da Família em competências voltadas à promoção do desenvolvimento na primeira infância. Posteriormente, uma vez implantado um programa de capacitação, os dados produzidos com este estudo poderão subsidiar as avaliações das intervenções”, espera a pesquisadora.
Ainda como impacto deste projeto, a equipe de pesquisa espera promover maior integração entre as ações da atenção primária em saúde e o Programa Criança Feliz, fortalecendo, assim, ações intersetoriais na região. O Programa Criança Feliz, vinculado ao Ministério da Cidadania, é executado em Goiás e tem alcance em 123 dos 246 municípios goianos.
O Criança Feliz utiliza princípios de um método da Organização das Nações Unidas (ONU) para trabalhar de forma divertida quatro dimensões do crescimento infantil: linguagem, motricidade, socioafetividade e cognição. Tudo utilizando brincadeiras que são feitas com materiais simples que as famílias têm em casa. O programa não é desenvolvido no Bairro Estrela D’Alva.
Equipe
A equipe que fará os estudos será coordenada pela professora Luciane R. R. S. Costa,(Odontologia/UFG), e composta pelos professores Naraiana de Oliveira Tavares (Psicologia/UFG) e Paulo Sérgio Sucasas da Costa (Medicina/UFG), pelas mestrandas Ana Cláudia Mateus (bolsista FAPEG, mestrado em Psicologia/UFG), Ingrid Garcia Santos (mestrado em Odontologia/UFG) e Thaís Silva Mendonça (mestrado em Odontologia/UFG) e a pela aluna Amanda Meira Fernandez Silva (Odontologia/UFG).
PPSUS: Gestão Compartilhada
O Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS) é conduzido, em Goiás, pela Fapeg em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), o Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
É um programa que une a ciência e a pesquisa como formas de colaborar com a formação de profissionais altamente capacitados e com a melhoria da qualidade de atenção à saúde no Estado de Goiás oferecendo respostas aos principais problemas e carências da população. É uma iniciativa de descentralização do fomento à pesquisa que prioriza a gestão compartilhada de ações.