História de Chico Moleque é relatada de forma lúdica em livro infantil
Zumbi dos Palmares é uma figura histórica na luta contra a escravidão. No Nordeste brasileiro liderou o Quilombo dos Palmares, durante o período colonial, e é um ícone do povo negro que se destacou por sua resistência em uma época de tentativa da dominação do homem branco e europeu sobre os negros escravos.
O que muita gente não sabe é que o Brasil ainda abriga muitas comunidades de quilombos que também têm suas histórias peculiares com mérito para serem divulgadas e se tornarem motivo de orgulho para o povo brasileiro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), calcula-se que o país possua 5.972 localidades quilombolas, que estão divididas em 1.672 municípios brasileiros.
Uma das comunidades quilombolas se localiza no município de Mineiros, no Sudoeste de Goiás: a Comunidade Quilombola do Cedro. E uma referência de determinação que ainda é lembrada pelos adultos do Cedro é o seu fundador, Francisco Antônio de Moraes, o Chico Moleque – como é conhecido pelos seus descendentes.
Diferente de outras histórias de formações de quilombos, Chico Moleque não era um fugitivo das fazendas. Ele trabalhou por vários anos, aos finais de semana e feriados, e com o dinheiro comprou sua liberdade, a da esposa e a da primeira filha. Ainda comprou um pedaço de terra iniciando a agricultura de subsistência, depois ampliou seus conhecimentos sobre plantas medicinais, aprendizado que ainda hoje permanece entre os saberes da comunidade cedrina. Naquele espaço, outras famílias foram se agrupando e, a seis quilômetros de Mineiros, a comunidade foi crescendo, abrigando ao todo 78 famílias, segundo dados de uma pesquisa de 2016, divulgada no livro Tecendo histórias etnobotânicas e culturais na Comunidade Quilombola do Cedro de Mineiros.
Apesar de Chico Moleque ser conhecido pelos moradores do quilombo, muitas crianças da região não sabem de sua história, e foi durante o relato de um quilombola à pesquisadora e docente do Instituto Federal Goiano (IF Goiano), Maria Luiza Batista Bretas, que surgiu a ideia de registrar, de forma lúdica, a história do Chico Moleque. O livro “Chico Moleque – um sonho de liberdade” conta com ilustração de Santiago Régis e é destinado ao público infantil, servindo para que as crianças, nas escolas ou em casa, aprendam mais sobre o passado escravista no Brasil e a marginalização sofrida pelos negros, bem como conheçam a luta desse povo pela liberdade e por mais respeito.
“A grande lição transmitida por essa história é a de que mesmo com todas as adversidades e um eminente destino traçado pela sua condição de escravo, Chico Moleque soube dar a volta por cima e reverter todos os prognósticos de sua existência se tornando um proprietário de terra e um líder para a sua comunidade”, diz Maria Luiza.
Exemplares dessa obra foram distribuídos para as crianças da comunidade e região. Para a pesquisadora Maria Luiza Bretas, publicações como esta deixam para a comunidade a perpetuação da sua identidade. “A criança que lê saberá da importância do Chico Moleque e terá orgulho da sua origem e da sua história tão singular”, afirma a autora. Com essa publicação, Maria Luiza recebeu a Menção “Altamente Recomendável para Crianças”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, instituição máxima que avalia e divulga a literatura destinada às crianças e jovens no Brasil. O livro terá reedição em breve, com a produção de mais três mil exemplares.
Mais registros
O livro “Chico Moleque – um sonho de liberdade” é resultado da pesquisa de dois anos de pós-doutorado da pesquisadora Maria Luiza Bretas realizada no Instituto Federal Goiano (IF Goiano). Além desse livro literário, outras duas obras também foram produtos dessa pesquisa. “Tecendo histórias etnobotânicas e culturais na Comunidade Quilombola de Cedro de Mineiros, Goiás”, obra acadêmica que também tem a autoria dos pesquisadores Tânia Regina Vieira, Gisele Cristina de Oliveira Menino, Luzia Francisca de Souza, Kennedy de Araújo, Tatianne Silva Santos, além de Maria Luiza, sob a supervisão do professor Fabiano Guimarães.
O outro livro, destinado ao público infanto-juvenil, de autoria da pesquisadora Maria Luiza, intitula-se “Contos Cedrinos”, em que a escritora ressalta histórias de fatos ocorridos na comunidade ou de seus moradores. Também faz parte dessa pesquisa um catálogo de, aproximadamente, 140 plantas medicinais, tradicionalmente utilizadas na comunidade, de autoria do professor e pesquisador Kennedy Araújo, servidor do IF Goiano – Campus Rio Verde, publicado recentemente como e-book.
A pesquisa contou com o fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do edital DocFix de 2014. O objetivo desta chamada pública foi de conceder cotas de bolsas de pós-doutorado a doutores vinculados aos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, visando estimular o desenvolvimento da pesquisa científica, tecnológica e de inovação no Estado de Goiás.
Para Maria Luiza, sem o apoio da Fapeg não teria sido possível realizar a pesquisa e deixar para as gerações futuras histórias da identidade e a valorização do saber popular da Comunidade Quilombola do Cedro. “É preciso voltar os olhos para as dificuldades que essas pessoas têm e lutar para que haja mais respeito para com eles”, afirma a pesquisadora. Para ela, é uma forma de demonstrar gratidão por um povo que abriu suas portas para contar histórias de dor, de discriminações, mas também de alegria, de festas e de saberes populares que tanto enriquecem a cultura nacional.