UEG pesquisa fungos que decompõem excrementos
Desde que entrou no Curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Goiás (UEG), no Câmpus Central, em Anápolis, no ano de 2010, Francisco Calaça, sob a orientação da professora Solange Xavier, vem se debruçando em pesquisas sobre fungos coprófilos, que crescem em fezes de diferentes espécies de animais.
Atualmente, Francisco é doutorando no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Recursos Naturais do Cerrado do Câmpus Central da UEG, em Anápolis (Renac|UEG) e, novamente, o tema de estudo são os fungos coprófilos. “Estudar essas comunidades é extremamente importante, pois com isso conhecemos a biodiversidade que habita essas pequenas ‘ilhas de cocô’. Nelas desvendamos os mistérios do seu ciclo de vida e podemos, por exemplo, reconstruir o passado da fauna que existiu no Planeta, avaliar o enorme potencial destes fungos em processos biotecnológicos e, claro, mostrar para todos que a diversidade da vida é incrivelmente fabulosa”, justifica.
Inserido em uma das linhas de pesquisa do laboratório de Micologia Básica, Aplicada e Divulgação Científica (FungiLab) da UEG, o projeto intitulado “Caracterização ecológica, funcional e biotecnológica de ascomicetos (Fungi: Ascomycota) em fezes de herbívoros no Brasil Central”, recebe apoio financeiro da Fapeg, por meio de bolsa de doutorado (Chamada Pública 3/2018) e tem como principal objetivo estudar os vários aspectos da história de vida desses fungos. “A principal contribuição desses fungos na natureza é decompor as fezes disponibilizando os nutrientes ali contidos para as plantas. Mas além disso, muitos desses fungos têm potencial para ser empregados em vários outros propósitos, como a produção de medicamentos, como os antibióticos, bem como na descontaminação de ambientes poluídos, ou no esgoto doméstico e efluentes industriais”, aponta a professora Solange, coordenadora do laboratório.
Para chegar a essas conclusões, Francisco diz que está coletando amostras de excrementos de animais como vacas, cavalos, cabras, ovelhas, além de animais silvestres, em diversas cidades da região Centro-Oeste do Brasil. “Essas amostras são incubadas em um aparato chamado câmara úmida, que fornece as condições necessárias para o desenvolvimento dos fungos ali presentes. Embora alguns se apresentem como cogumelos, em geral, esses fungos são pequenos, muitos deles menores do que a cabeça de um alfinete. Então, contamos com a ajuda de um microscópio estereoscópico para poder observar e fotografar os fungos que encontramos”, explica.
Além disso, salienta o pesquisador, a intenção é realizar experimentos para tentar entender o que leva um fungo a crescer no cocô, as condições ambientais, como a chuva e a seca, para o crescimento desses fungos na natureza e, consequentemente, se no processo de decomposição, os fungos que ocorrem nas fezes de um animal diferem dos que ocorrem nas fezes de outro, se o tipo de dieta do animal interfere nessa diversidade fúngica, entre outros fatores. Mas, por que saber tudo isso? Francisco responde: “Primeiro porque com isso, vamos conhecer ainda mais a biodiversidade de fungos do Cerrado, que é um bioma que está desaparecendo por conta das nossas ações de desmatamento e usos inconscientes. Precisamos conhecer quais espécies ocorrem em um lugar para embasar a criação de leis que vão proteger essas espécies e o ambiente onde ocorrem; Segundo porque não sabemos quase nada sobre fungos coprófilos no Brasil. Precisamos aprender muita coisa sobre esses fungos, principalmente sobre a vida deles na natureza selvagem; Terceiro porque esses fungos podem ser úteis para nós, como já mencionei, na produção de materiais que possam ser utilizados para produzir remédios, por exemplo. Por fim, mas não menos importante, conhecer os fungos coprófilos que ocorrem no Cerrado servirá como mais um motivo para preservarmos esse bioma, que é único no mundo”, reforça.
Fungos coprófilos
Francisco Calaça explica que os fungos coprófilos são muito importantes nos ecossistemas terrestres, porque decompõem a matéria orgânica do esterco e devolvem esses nutrientes à natureza. “Já contribuímos, até o momento, com o registro de muitas novas espécies para o bioma Cerrado, alguns já publicados e outros em processo de publicação. Esses registros nos permitem conhecer a copromicodiversidade da região, contribuindo com dados para a biodiversidade do Cerrado e também com informações sobre espécies com potencial em aplicações biotecnológicas”, diz.
“Graças ao trabalho que temos desenvolvido na UEG, o Estado de Goiás tem sido pioneiro em vários aspectos do estudo desses fungos no Brasil Central. Recentemente publicamos uma síntese do conhecimento sobre os dados da ocorrência desses fungos no Brasil ao longo dos últimos cem anos, apontando as tendências e lacunas na pesquisa com o grupo e também fomos os pioneiros sobre essa biodiversidade no bioma Pantanal”, completa.
Para Francisco, as próximas etapas da pesquisa visam responder perguntas de grande relevância para esse grupo: Como os substratos onde esses fungos se desenvolvem influenciam as comunidades fúngicas? Como se dá a decomposição desses substratos ao longo do tempo e como os fungos contribuem para isso? Quais os nutrientes são liberados na natureza nesse processo? A pesquisa também pretende entender como as mudanças climáticas podem afetar a distribuição desses fungos no planeta, gerando assim dados que ajudem ainda mais a justificar a necessidade de medidas de mitigação dos impactos das ações humanas nas mudanças do clima. “Com isso tudo, queremos mostrar a importância dos fungos nos ecossistemas, gerar dados teóricos que embasem novos estudos, apontar espécies com potencial em biotecnologia, reforçar a importância da conservação do Cerrado e, acima de tudo, atrair novos estudantes para essa área, para que as pesquisas avancem cada vez mais”, justifica.
O doutorado de Francisco deve ser concluído em março de 2022. “Infelizmente, a pandemia prejudicou alguns de nossos planos, mas esperamos conseguir concluir todos os objetivos da pesquisa até a conclusão do doutorado”, prevê.
Recentemente, o trabalho realizado por Francisco foi premiado com a segunda colocação no V Prêmio SBPC/GO de Popularização da Ciência. “Esse resultado contribuiu para a divulgação do conhecimento sobre os fungos, que são seres vivos pouco representados nos estudos de biodiversidade, já que esses estudos, na maioria das vezes, se restringem às plantas e aos animais, deixando no anonimato uma imensidão de espécies e sua grande relevância para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas”, explica a professora Solange Xavier, orientadora do projeto.
Sobre o pesquisador
Francisco Calaça é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Goiás, Câmpus Anápolis de Ciências Exatas e Tecnológicas Henrique Santillo (CET|UEG). É mestre em Ciências Ambientais, pela UnB (2018) e atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Recursos Naturais do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás.
Francisco também atua como tutor na EaD do Centro de Ensino e Aprendizagem em Rede – Cear|UEG.