Pesquisa da UFG associa saúde bucal e gravidade da Covid-19

Os resultados apontaram que as más condições de saúde bucal foram altamente prevalentes e associadas a sintomas críticos de covid-19, maior risco de admissão na unidade de terapia intensiva e mortalidade

Uma equipe formada por quatro cirurgiãs-dentistas, devidamente paramentadas com todos os equipamentos de proteção individual exigidos durante a pandemia, realizou coletas de 128 pacientes com covid-19 internados no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) e no Hospital de Campanha de Goiânia. O objetivo era avaliar a condição dentária e periodontal dessas pessoas e a possível associação com a incidência de desfechos adversos da doença, como necessidade de cuidados intensivos e morte.

Após análise de dados – que teve o apoio do professor da Faculdade de Odontologia, Cláudio Rodrigues Leles – o estudo mostrou que essa relação existe e que a periodontite é o problema de saúde bucal mais recorrente nesses casos.

De acordo com Camila, a periodontite é uma doença que surge de uma inflamação nos tecidos de suporte do dente (osso alveolar, ligamento periodontal e cemento radicular) provocada pela presença de uma placa bacteriana. É uma complicação de uma gengivite não tratada, que pode levar à perda do dente e agravar ou até dificultar o controle de outras doenças, como hipertensão, diabetes e obesidade.

“Alguns estudos apontam a periodontite como um possível agravador da cascata de coagulação, devido ao aumento sistêmico de dímero-D em pacientes acometidos pela doença. Sendo assim, essas e outras vias biológicas sugerem a periodontite como um fator de risco para desfechos graves da covid-19. Estudos prévios mostraram a presença de sars-cov-2 no biofilme dental e em tecidos gengivais.

Além disso, análises que se basearam em avaliação periodontal radiográfica encontraram associações entre periodontite e piores resultados da covid-19”, explica a odontóloga. Para coletar os dados, três examinadoras adentraram nos leitos de pacientes para realizar as coletas e uma auxiliar permanecia nos corredores para o armazenamento de amostras biológicas e materiais contaminados, que eram processados de acordo com todas as recomendações para inativação do vírus.

Os pacientes selecionados para a amostra da pesquisa eram testados pela técnica do RT-PCR e apresentavam pelo menos um sintoma típico da doença, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O exame intraoral era realizado a partir do aceite realizado por meio de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) via paciente ou familiar. Pessoas hemodinamicamente instáveis, com bactérias multirresistentes ou que não apresentavam data do exame RT-PCR não foram incluídas no estudo.

Coleta de amostra em pacientes com Covid-19 no HC

Inicialmente, um teste estatístico simples já mostrou uma associação direta entre piores condições orais e desfechos graves da covid-19. O índice CPOD (número de dentes cariados, perdidos e obturados), o estado periodontal e os padrões de perda dentária (índice de Eichner) foram avaliados por meio de exame clínico no ambiente hospitalar. Como há muitos fatores de risco comuns entre covid-19 e doenças bucais, buscou-se uma análise mais robusta, executada pela técnica de regressão logística.

As associações entre as medidas de saúde bucal, a gravidade dos sintomas da covid-19 e os desfechos de hospitalização foram testadas pelo teste do qui-quadrado. Já a estimativa da razão de prevalência (RP) foi testada pelo Modelo Linear Generalizado (GLM), com regressão log-Poisson e variâncias de erro robustas. Variáveis relacionadas à saúde bucal, comorbidades e idade do paciente foram incluídas nos modelos de regressão usando uma seleção de preditores em bloco.

Os resultados apontaram que as más condições de saúde bucal foram altamente prevalentes e associadas a sintomas críticos de covid-19, maior risco de admissão na unidade de terapia intensiva e mortalidade. A periodontite foi significativamente associada com admissão na UTI, sintomas críticos e risco de morte quando ajustado para idade e comorbidades.

O índice de Eichner foi associado à admissão na UTI, provavelmente afetado pela relação entre idade avançada e perda dentária. Assim, verificou-se que, mesmo com a existência de fatores de risco em comum, como idade e hipertensão, os piores padrões de saúde oral, especialmente relacionados à periodontite, foram associados à maior gravidade da covid-19. Essas conclusões sugerem que o estado dentário e periodontal pode desempenhar um papel no prognóstico de pacientes com covid-19 hospitalizados.

Reconhecimento

Camila Alves Costa faz doutorado no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFG e seu trabalho “Association between poor oral health and adverse Covid-19 outcomes in hospitalized patients” foi premiado na principal competição na área de pesquisa científica odontológica do Brasil, realizada durante a 38ª reunião anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO), de 8 a 11 de setembro. Com o prêmio, Camila Costa poderá representar o Brasil, com a exposição da sua pesquisa na próxima reunião mundial da “International Association for Dental Research (IADR)”, em 2022, na China.

Prêmio SBPqO 2021

A pesquisadora afirma que é difícil descrever a sensação de receber esse prêmio. “Foi um misto de alegria, gratidão e honra. Alegria, porque esse trabalho, tão socialmente e clinicamente relevante, chegou tão longe. Gratidão por ter tido o reconhecimento do esforço que nosso grupo teve para desenvolver essa pesquisa. Enfrentamos o medo, o desconhecido. Nós fomos para a frente de batalha para fazer essa pesquisa que contribuirá muito para o entendimento e manejo da doença. Por fim, honra, por estar representando nosso Programa de Pós-Graduação, nossa Faculdade de Odontologia, nossa UFG, nesse evento brasileiro tão importante”, relata.

O trabalho premiado faz parte de um amplo projeto de pesquisa, que inclui extensão da amostra, análise inflamatória de fluidos orais (saliva e fluido crevicular gengival), avaliação microbiológica de placa bacteriana, avaliação de lesões em mucosa bucal e avaliação de testes rápidos que utilizam a saliva como meio biológico para diagnóstico. “Atualmente, já contamos com quase 300 pacientes avaliados. Além disso, todos os pacientes que receberam alta estão sendo convidados a receber nova avaliação bucal, de desfechos pós-covid e tratamento odontológico na Faculdade de Odontologia para avaliações a longo prazo”, explica Camila.

A ideia para a sua pesquisa surgiu de um projeto iniciado em 2020 pela professora da UFG, Nádia do Lago Costa, que estuda o desempenho de testes rápidos na detecção salivar do novo coronavírus. “O projeto de avaliação de saliva como meio biológico para uso em testes rápidos foi essencial para o desenvolvimento da pesquisa. Ele foi o ponto de partida para que fosse despertado no grupo de pesquisa a necessidade da avaliação oral. O trabalho de testagem salivar já está em revisão em uma revista de grande impacto e em breve teremos os resultados publicados”, enaltece.